Qual a fé que agrada a Deus?
“Mesmo não florescendo a figueira, não havendo uvas nas videiras; mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação. O Senhor Soberano é a minha força; ele faz os meus pés como os do cervo; ele me habilita a andar em lugares altos”.
1.1 Mesmo não florescendo a figueira
A figueira era a única árvore que não definhava nas secas do oriente médio. Por isso era a fonte de alimentação. O figo era consumido novo ou seco pelos hebreus nos dias do profeta Habacuque. Nem mesmo o figo bravo (sicômoro) era rejeitado. O profeta Amós era colhedor de sicômoros, uma profissão valorizada somente em épocas de grande crise alimentar.
O profeta Habacuque disse que ainda que figueira não florescesse, mesmo assim ele se alegraria no Senhor. Tal postura evidencia uma fé incondicional. Uma fé que não depende das boas situações. Uma fé que resulta de uma sincera e profunda comunhão com Deus. É uma fé que não se perde na escassez.
1.2 Não havendo uvas nas videiras
A vide é a árvore de onde provém o vinho, elemento que na cultura de Habacuque era indispensável para dois tipos de ocasião:
1º celebração – numa festa não podia faltar vinho. O vinho era a marca central de uma celebração festiva. Isso fala das nossas conquistas, das nossas razões de louvor. Observe que nas bodas de Caná faltou vinho e a festa quase acabou por isso. Observe, também, que para que não fosse posto fim à celebração, Jesus transformou água em vinho.
2º enfermidade – repare que na parábola do bom samaritano, Jesus disse que o samaritano viajante pôs azeite e vinho sobre as feridas do homem machucado. Num período de poucas descobertas científicas, as pessoas tinham que se contentar com os remédios caseiros que possuíam. O vinho era, sem dúvida, um deles. Paulo aconselha Timóteo a usar o vinho para curar suas constantes enfermidades.
A fé da qual fala o profeta Habacuque é uma fé que não o levava a deixar Deus nem na tristeza e nem na doença. Era uma fé maior que as dificuldades. Uma fé acima das perdas.
1.3 Mesmo falhando a safra de azeitonas
A oliveira, que é a árvore de onde vem a azeitona, era cultivada de forma valorosa, pois é dela que provém o azeite, usado para fornecer: combustível (força) e prover iluminação (orientação).
A oliveira era também fonte de elementos mais básicos e necessários no dia a dia da família hebreia, pois dela também se extraia o sabão usado na lavagem de roupas e a gordura para fritura de alguns alimentos. Não ter o produto da oliveira era perder as coisas mais necessárias e básicas à vida. A fé da qual fala o profeta é uma fé independente dos desânimos da vida, dos investimentos frustrados e do suprimento das provisões mais básicas.
1.4 Não havendo produção de alimento nas lavouras
A agricultura não era apenas a maior fonte de renda dos antigos, mas também a maior fonte material de sobrevivência. Dentro do contexto do profeta, os campos equivalem a lugar de investimentos, base elementar para o sustento de uma família. A situação religiosa e a vida diária eram determinadas pelo sucesso ou fracasso das colheitas. Então os campos traduzem expectativas, planos, investimentos empreendidos. Quem planta tem uma motivação em mente: a colheita. Uma das poucas fontes de renda do povo do oriente antigo advinha do manejo agropecuário. Habacuque fala que ainda que seus projetos fossem todos frustrados, ainda assim, ele confiaria em Deus e jamais abandonaria seu Senhor. A fé que ele professa na passagem em foco é uma fé que não morre quando as expectativas se frustram.
1.5 Nem ovelhas no curral
Ovelha era a fonte de lã. A lã era uma das principais matérias primas das roupas, dos cobertores. Em outras palavras, era o que dava conforto e bem estar ao povo do antigo oriente. O pastoreio de ovelhas rendia lucro para os donos dos rebanhos e trabalho para os porteiros e pastores da época. Os pastores levavam seus rebanhos para lugares onde a presença de relva e água era dominante. Outra atividade que envolvia ovelhas era a tosquia.
Esta, por sua vez, mobilizava até mesmo os donos dos rebanhos. Já os porteiros, eram guardas de rebanhos que trabalhavam apenas à noite e ficavam à porta dos apriscos de pedra. Tinham o dever de proteger os rebanhos contra possíveis predadores que vagavam à noite à procura de comida.
Por isso, ao usar a figura do curral sem rebanho, Habacuque evoca a possibilidade de um tempo de crise, desemprego, falência material e ausência de meios que promovessem conforto. Em outras palavras, Habacuque estava professando uma fé firme o bastante para sobreviver aos desconfortos da vida e ainda se manter ativa.
1.6 Nem bois nos estábulos
Gado era um animal ajudador. Estava presente na aragem da terra, cavava os sulcos para o plantio, trazia as sementes para o campo. Na colheita, levava os frutos para a casa do agricultor e ainda era amarrado a um moinho grande para moer o trigo. A ajuda bovina estava presente em todos os momentos da vida de um agricultor; era sua ferramenta mais útil nos trabalhos braçais.
Quando fala sobre não haver gado, Habacuque se refere à ausência de alguém que o ajude, que estenda suas mãos para auxiliar, alguém que seja suporte. Essa falta de ajuda não impediria o profeta de continuar servindo a Deus. A fé do profeta era independente de ele ter ou não os meios de apoio e suporte.
Vejamos quanta coisa podemos absorver de um texto bíblico quando o lemos adentrando em seu cenário natural. Por isso é tão importante que nós nos afadiguemos na leitura e nos estudos das Sagradas letras.
Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, o contexto de uma passagem bíblica podem ter a dizer tanto quanto as palavras do texto sacrossanto. Muitas vezes, toda a mensagem divina está óbvia no texto; mas outras vezes, faz-se necessário adentrar ao cenário do texto a fim de se ter acesso ao conteúdo completo da mensagem divina. A mensagem de Deus pode estar na clareza do texto bíblico ou no entorno dele.
Jesus censurou os fariseus porque eles examinavam as Escrituras cuidando ter nelas a salvação, mas não percebiam que eram essas mesmas escrituras que testificavam a respeito dEle. Tais fariseus centravam-se apenas no texto, naquilo que estava explícito, escrito. E, a partir, daí detinham-se em conjecturas sobre como seria sua vinda triunfante. Esqueciam-se, porém, de valorizar a questão essencial, que é a razão de sua vinda, seu poder para salvar e libertar o pecador, e valorizavam questões secundárias, como o poder do Messias, o seu reino pomposo, o seu modo inigualável de destronar adversários.
O estudo do cenário religioso, político e cultural de uma determinada passagem bíblica, inicialmente, traz apenas conhecimento durante o estudo. Mas, ao passar dos dias, quando relemos aquelas passagens bíblicas, encontramos uma maior e mais profunda revelação. O conhecimento histórico de um texto dá-nos meios para vermos as Escrituras com os olhos dos destinatários.
O estudante da Bíblia precisa ter o espírito de um garimpeiro. Precisa cavar, peneirar e buscar insistentemente a revelação divina constante em textos ao longo de toda a Bíblia. O contexto bíblico põe sob o texto uma dimensão maior, que destaca as palavras proferidas por Deus e pelos seus servos inspirados.
Muitos textos bíblicos são difíceis de interpretar e, a menos que tenhamos uma compreensão do cenário no qual o texto nasceu, não obteremos a completa revelação de Deus ali contida.
As ciências biológicas, a arqueologia, dentre outras, buscam conhecer a origem das coisas, seu desenvolvimento, modos de reprodução dos seres, o surgimento, a extinção; enfim, procura descobrir o que há por trás de cada coisa, cada fóssil, planta, animal, etc.
O estudo da Bíblia deve ser feito com um coração de detetive, de biólogo e de arqueólogo. Não quero dizer que para entender a Bíblia seja necessário ser biólogo, cientista ou arqueólogo. O que quero afirmar é que precisamos ter uma disposição tal como a deles. Buscar, gastar tempo para conhecer, mergulhar na história, debruçar-se nas minúcias.
O leitor que quer ouvir Deus na leitura da Bíblia precisa ter: fome de conhecimento, zelo pela revelação bíblica, desejo de conhecer a Deus, tempo para investir nas consultas bíblicas e disposição para valorizar livros cujo conteúdo considera o espaço bíblico cultural das passagens canônicas.
Um arqueólogo tem um propósito: conhecer civilizações antigas, encontrar artefatos antigos que lhe forneçam pistas que possam apontar para o modo de vida das civilizações arcaicas; entender suas maneiras de ver o mundo, de cultuar, de viver em família, etc; mas para chegar a essas informações, ele deve cavar, adquirir ferramentas apropriadas e investir tempo em sua busca por objetos, fosseis, etc. Os arqueólogos são amantes da história e desejam entender o modo como viveram povos antigos; por isso se debruçam nessa missão.
O estudante da Bíblia deve fazer o trabalho de um arqueólogo, primando por obter ferramentas apropriadas que favoreçam sua busca pela revelação bíblica.
Escrevendo a Timóteo, Paulo usa a expressão “se afadigar na palavra .” Essa expressão traduz bem o trabalho que cada servo de Deus deve investir.
Prs. Edvaldo Sousa e Weider Santiago