Brasil se destaca no mundo como “terra-prometida dos evangélicos”
O Brasil se destaca no mundo como um país em que diferentes povos imigrantes conseguiram estabelecer raízes e vivem pacificamente. A multiplicidade de etnias, incluindo europeus e africanos, resultou na conhecida miscigenação. Mas, não apenas isso: por aqui, evangélicos das diferentes tradições encontram um ambiente quer permite a liberdade religiosa.
Diante disso, um pesquisador peruano anunciou um estudo que vai se debruçar sobre a presença evangélica no Brasil, os fatores históricos e a realidade atual, marcada por um crescimento numérico expressivo da população que se identifica como parte desse segmento.
José Luís Pérez Guadalupe, sociólogo e educador peruano, refere-se ao Brasil como uma espécie de “terra-prometida dos evangélicos”. Ele vai comandar um time de 15 especialistas brasileiros, latino-americanos e latino-americanistas durante o estudo sobre “Os evangélicos e poder político no Brasil”. A conclusão dos trabalhos e sua publicação, em português e espanhol, está marcada para 2020.
Guadalupe concedeu uma entrevista a Salvatore Cernuzio, publicada no último dia 26 de abril pelo Vatican Insider, com tradução para o português pelo CEPAT e publicada no portal do Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Nessa oportunidade, o pesquisador abordou questões históricas, mas também falou sobre o atual momento sociopolítico no Brasil.
Qual é a razão histórica dessa “predileção evangélica” pelo Brasil?
No início do século passado, Brasil e Chile foram os países onde seminalmente se formou o pentecostalismo latino-americano, só no Chile isso se estagnou. No [Brasil], surgiram novas formas, como o ‘neopentecostalismo’, que soube aproveitar essa grande sensibilidade espiritual da sociedade brasileira para continuar crescendo numericamente e penetrar na sociedade, na cultura e, por fim, na política.
Mas, devemos lembrar que o impressionante crescimento numérico não foi graças a um “pentecostalismo missionário”, mas a um pentecostalismo autóctone, crioulo e leigo, que permitiu a enorme penetração cultural que tem na atualidade. No entanto, deve-se notar também que o Brasil não é o único caso no continente, nem tem os maiores percentuais de comunidade evangélica, mas, sim, Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua. Contudo, é o país que mais sabe vincular o fator religioso à política partidária. Tanto é que é o único país da América Latina onde igrejas evangélicas (especialmente igrejas pentecostais) normalmente intervêm na política partidária desde 1986.
O censo de 2010 registra 24,5 milhões de evangélicos, ou 22,2% da população total. 17,5 milhões deles são pentecostais. É bem provável que nos próximos vinte anos a porcentagem de evangélicos esteja a ponto de aumentar. Como os evangélicos brasileiros traduzem essa força religiosa e social em uma força política?
O Brasil, com 210 milhões de habitantes, é o país com mais católicos do mundo. No entanto, nos últimos anos houve uma diminuição significativa em sua catolicidade, que atualmente é inferior a 60%, enquanto os evangélicos são estimados em 32% (segundo Lapop e Datafolha).
É interessante notar que, segundo o censo de 1980, os católicos eram 89% e os evangélicos apenas 6,6%, enquanto no último censo de 2010, os católicos caíram para 64,6% e os evangélicos subiram para 22,2%. Se compararmos os números do censo de 1980 com os cálculos atuais, veremos que o catolicismo caiu quase 30 pontos, enquanto os evangélicos aumentaram mais de 25 pontos, nos últimos quarenta anos.
Junto com esse espetacular crescimento numérico, as igrejas evangélicas no Brasil souberam rentabilizar seu capital religioso em capital político. Historicamente, essa participação começou em 1985, quando a Assembleia das Igrejas Pentecostais do Brasil decidiu formalmente participar da política e lançar candidatos para a Assembleia Constituinte no ano seguinte, passando de 12 representantes (na maioria batistas) a 32 (principalmente pentecostais). A partir daquele ano, tornou-se normal as igrejas evangélicas se aventurar na política, tanto que temos candidatos evangélicos em todas as listas de partidos políticos, e atualmente temos representantes evangélicos de 26 denominações, em 22 grupos políticos diferentes.
Embora estejamos muito céticos quanto a um possível sucesso eleitoral, ou fracasso, que possa ter um governo evangélico, já que acabarão se dividindo antes de começar a governar. Mas, independentemente se existem dificuldades e limites, vemos que no Brasil se começa a ensaiar propostas governamentais para além das ofertas típicas de “moralização da política” e sua ampla “agenda moral”, e são preparados planos governamentais integrais e escolas de formação política e gestão pública com vistas à formação de seus fiéis para o exercício do poder. Como se pode ver, os evangélicos vieram para ficar, ficaram para crescer e cresceram para conquistar. Mas essa conquista não se restringe apenas à esfera religiosa, mas também se estende à esfera social e política.